Cena do filme "brancaleone nas cruzadas"
Quando se pensa em um bom filme de comédia, é difícil não trazer à mente aquelas maravilhas do cinema italiano dos anos 60 e 70, obras de mestres como Ettore Scola, Dino Risi e Mario Monicelli. E é deste último o clássico “Brancaleone nas Cruzadas” (Itália/Argélia, 1970), cuja história dá continuidade aos acontecimentos do filme anterior, “O Incrível Exército de Brancaleone” (1966), outra joia de Monicelli. Mas ninguém necessariamente tem que ver o primeiro filme para embarcar e dar muitas risadas com as aventuras do herói Brancaleone da Nórcia, interpretado pelo inesquecível, impagável e insubstituível Vittorio Gassman, um dos maiores atores do cinema italiano e mundial. E o conhecimento desses tesouros não é privilégio apenas de uma geração de cinéfilos mais velhos, que puderam apreciá-los em salas de cineclubes que nem existem mais. Graças aos serviços de streaming, muitos deles estão ao alcance de todos os públicos, como é o caso de “Brancaleone nas Cruzadas”, disponível no À La Carte. Douglas Braga, em crítica publicada no site Cineplayers, faz as seguintes observações: "O humor do filme funciona perfeitamente. Há diálogos simplesmente hilários”. Além do delicioso teor cômico, segundo Douglas, "’Brancaleone nas Cruzadas’ ainda pode ser deliciado pelas imagens belíssimas proporcionadas por Monicelli”. Leia abaixo o texto completo do cinéfilo carioca.
Brancaleone nas cruzadas
Por Douglas Braga
Cena do filme "brancaleone nas cruzadas"
A Idade Média já foi retratada de diversas maneiras no cinema. Desde obras-primas marcantes, como O Sétimo Selo, de Ingamar Bergman, passando pelas divertidas comédias do grupo inglês Monty Python, e até em produções de nível no mínimo "duvidoso", como os recentes Cruzada e Robin Hood, curiosamente ambos de Ridley Scott. Mas talvez as versões mais interessantes tenham sido do diretor Mario Monicelli, falecido recentemente: O Incrível Exército de Brancaleone, lançado em 1966, e que alcançou um notável sucesso comercial; e Brancaleone nas Cruzadas, de 1970, que acompanha as aventuras do herói Brancaleone da Nórcia, imediatamente após os acontecimentos do filme anterior.
O roteiro pode parecer estapafúrdio, mas é repleto de simbolismos e mesmo de tons sobrenaturais, penetrando na mentalidade do mundo medieval, além de um tom satírico delicioso. Na trama, Brancaleone, após quase todos os membros da peregrinação a Jerusalém da qual fazia parte terem sido mortos, parte junto com os quatro últimos sobreviventes (dentre eles, um coxo e um cego!) em direção a Terra Santa, para libertá-la do domínio dos mouros. No caminho, o "cavaleiro" ainda encontra uma bruxa, um leproso, um anão, um masoquista, um bebê, um alemão e ainda conversa com a morte!
Vittorio Gassman no filme "brancaleone nas cruzadas"
O humor do filme funciona perfeitamente. Há diálogos simplesmente hilários ( não há como não rir na seqüência da "luta" com o alemão, por exemplo). E o ator Vitorio Gassman, uma das maiores estrelas que o cinema italiano já viu, ainda investe em um certo tipo de humor físico que combina com o tom absurdo adotado pelo diretor (e também roteirista) Mario Monicelli. Dá-lhe brigas com o cavalo, batalhas contra vários oponentes, e mesmo cenas românticas (!) dignas de se chorar de rir. E os roteiristas (o próprio Monicelli, Agneore Incrocci e Furio Scarpelli) ainda tomaram um risco adicional no último ato, em Jerusalém: todos os diálogos são rimados, lembrado as cantigas cavaleirescas e as trovas medievais, tornando as situações mais engraçadas do que já seriam "naturalmente".
"Brancaleone nas Cruzadas" ainda pode ser deliciado pelas imagens belíssimas proporcionadas por Monicelli. O diretor mostra um grande domínio técnico, demonstrado na intrigante seqüência da árvore com corpos pendurados, cena cuja força é ampliada pelos diálogos entre os mortos e a bruxa (mais uma vez, o sorenatural presente), com os primeiros contando os motivos de sua morte (por adultério, por ser judeu, ou simplesmente por comer salame). Temas medievais são abordados em cenas memoráveis, como o encontro dos dois papas, além da linda (tanto visualmente, como em seu aspecto simbólico) luta entre Brancaleone e a morte. A fotografia é mais um trunfo, além da trilha sonora com o já clássico grito de guerra, "Branca, Branca, Branca, Leone, Leone, Leone!".
Cena do filme "brancaleone nas cruzadas"
O único pecado do filme é sua duração excessiva. Os 119 minutos acabam parecendo excessivos, e poderiam ter sido encurtados em cerca de 15 minutos. As cenas com o leproso, por exemplo, acabam parecendo desinteressantes e mesmo desnecessárias perto de outros momentos hilários, e talvez pudessem ter sido eliminadas, sem fazer muita falta.
Ainda assim, "Brancaleone nas Cruzadas" consegue ser superior ao anterior, e mais conhecido "O Incrível Exército de Brancaleone". É uma comédia satírica interessantíssima, tendo como pano de fundo o período medieval, com cenas dignas de se assistir várias vezes. Sem dúvidas, é uma pérola do humor e do cinema italiano, de uma forma geral.
Texto completo no blog Cine Players